sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Tudo Se Complica Porque Trazemos Nosso Equipamento Psíquico.


Nascemos do jeito que somos: algo em nós é imutável, nossa essência são paredes difíceis de escalar, fortes demais para admitir aberturas. Essa batalha será a de toda a nossa existência.

As ferramentas para executarmos a tarefa de viver podem ser precárias. Isso quer dizer: algumas pessoas nascem mais frágeis que outras. Um bebê pode ser mais tristonho do que seu irmão mais vital.

Não é uma sentença, mas um aviso da madrasta natureza.

O meu diminuto jardim me ensina diariamente que há plantas que nascem fortes, outras malformadas; algumas são atingidas por doença ou fatalidade em plena juventude; outras na velhice retorcida ainda conseguem dar flor.

Essa mesma condição é a nossa, com diferença dramática: a gente pode pensar. Pode exercer uma relativa liberdade. Dentro de certos limites, podemos intervir.

Por isso, mais uma vez, somos responsáveis, também por nós. Somos no mínimo co-responsáveis pelo que fazemos com a bagagem que nos deram para esse trajeto entre nascer e morrer.

Carregamos muito peso inútil. Largamos no caminho objetos que poderiam ser preciosos e recolhemos inutilidades. Corremos sem parar até aquele fim temido, raramente nos sentamos para olhar em torno,

avaliar o caminho, e modificar ou manter nosso projeto pessoal.

Ou nem tínhamos desejos pessoais. Nos diluímos nas águas da sorte ou da vontade alheia. Ficamos tênues demais para reagir. Somos os que se encolhem nos cantos ou sentam na beirada da poltrona nos salões da vida.

Cada desperdício de um destino, um indivíduo que se proíbe de se desenvolver naturalmente conforme suas capacidades ou até além delas, me parece tão trágico e tão importante como uma guerra. Pois é a derrota de um ser humano — que vale tanto quanto milhares.

Não devíamos escrever artigos e fazer passeatas apenas contra a guerra, a violência, a corrupção e a pobreza, mas proclamar a importância do que semearam em nós, indivíduos. De como o devemos cuidar no tempo que nos foi dado para essa jardinagem singular.

Lya Luft

Do livro Perdas & Ganhos, Editora Record

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